Corona como oportunidade de Mudança de Sistema: 5 sugestões de Tamera

O que hoje vemos acontecer no mundo, poderia ter-nos parecido impensável até há bem pouco tempo atrás. Com graves preocupações, observamos desenvolvimentos rumo a sociedades totalitárias. Vemos diversas comunidades e sociedades que lidam com a perda dos que lhes são mais queridos. Vemos o alastrar do caos, a perturbação de redes de apoio e a escassez de bens essenciais. Vemos como a crise afecta desproporcionalmente os idosos e as populações historicamente marginalizadas. Vemos a miséria, o medo e a solidão que recai sobre os que se encontram em isolamento social e quarentena. Vemos a sobre-carga dos serviços de saúde, sustentados por trabalhadores exaustos e mal pagos. Mas vemos também exemplos de coragem e solidariedade. E vemos a natureza a respirar fundo de alívio. Para onde estará esta situação a conduzir-nos? Voltaremos à normalidade num futuro próximo? Ou aproveitaremos esta oportunidade para efectuar mudanças profundas e sistémicas? Seremos capazes de começar de novo e construir uma cultura alinhada com a vida? Muitos dos nossos amigos perguntam-nos o que pensamos sobre a crise associada ao coronavírus e como estamos a lidar com a situação. Existem diversas respostas a níveis diferentes. Neste texto, procuramos resumir algumas das nossas linhas de pensamento e sugestões de acção.

Comunidade de Tamera, 1 de Abril de 2020

Para todos os que amam a vida e a Terra, esta crise representa também uma grande oportunidade, para além de todos os desafios com que nos confronta: esta é uma oportunidade para juntar forças globalmente e alcançar um objectivo comum, desenvolver coesão social, implementar estruturas descentralizadas e uma economia solidária — um verdadeiro reinício. Em tempos tão caóticos, é fácil deixarmo-nos distrair por divergências de opinião. Convidamos-vos a considerar que a forma como agora agimos, pensamos e imaginamos, ajudará a moldar o futuro.

Temos razões para acreditar que uma das prováveis consequências desta crise será um colapso económico, que leva à imposição de restrições significativas nos sistemas de abastecimento. Adicionalmente, existe o perigo da crise actual ser instrumentalizada para atacar a democracia e os direitos civis, impondo estruturas totalitárias e vigilância em massa com o apoio de tecnologia de ponta. Em alguns países (i.e. China, Índia, Israel, Filipinas) é desde já possível observar a transição para este tipo de cenários, com todo o sofrimento que é infligido aos que se encontram nestas circunstâncias. Num cenário dominado pelo medo e pela evasão ao contacto social, será cada vez mais difícil gerar coesão social, o que irá agravar tentativas de organização popular, apoio mútuo e resistência contra violações de direitos humanos.

É correcto agir agora em solidariedade, também no que diz respeito às instruções comunicadas pelos governos. Mas ao assistirmos a mentiras e violações de direitos humanos, também não podemos permanecer em silêncio.

Nesta situação é imperativo actuar numa direcção construtiva. Precisamos agora de inteligência colectiva ao nível global. Esta situação desafia-nos a compreender e transformar fundamentalmente as estruturas das nossas sociedades e dos nossos padrões interiores. Abaixo descrevemos algumas sugestões numa perspectiva de mudança sistémica:

1. Compreender e dissolver o medo

O vírus mais perigoso e contagioso é o vírus do medo. O medo dissimulado e inconsciente foi sempre uma fonte de mecanismos de defesa que se solidificam em agressão, guerra, fascismo e populações historicamente oprimidas. Utilizemos o tempo que temos agora, para compreender e dissolver os nossos medos. Isto inclui também uma abordagem crítica à informação. Conhecemos os mecanismos dos meios de comunicação de massas e a pressão para o pensamento homogéneo, especialmente em alturas de crise. Contudo, não é certamente a primeira vez na história que a narrativa dominante é mais tarde desmascarada. É por isso que mantemos uma postura de pensamento crítico, abertos a outras fontes de informação, tendo coragem para dizer aquilo que acreditamos ser verdade — enquanto nos mantemos abertos às perspectivas de outros.

2. Solidariedade

Enquanto comunidade, Tamera é guiada por princípios éticos de responsabilidade, verdade e apoio mútuo. Acreditamos que estes valores são essenciais especialmente nos tempos que correm. Este é um momento para nos assegurarmos que as ligações e relações que se desenvolvem na comunidade global são fortalecidas, ao invés de erodidas. Acima de tudo, não nos podemos esquecer dos que hoje mais sofrem com esta crise. Isto inclui refugiados que se confrontam com fronteiras fechadas e campos sobre-lotados; os que habitam favelas e outras zonas densamente populadas; sem-abrigo, crianças de rua, pessoas sem documentos, especialmente em países com tendências totalitárias.

Convidamos-vos a reflectir sobre como podem agir em solidariedade a partir do lugar onde se encontram, fazendo uso do vosso privilégio e da vossa voz. É necessário resistir às restrições de direitos humanos e civis, que diversos países impõe actualmente em nome da saúde pública. É necessário resistir também à propaganda que procura culpar “outros” (especialmente pessoas de cor) pela nossa crise.

Tamera encontra-se actualmente fechada para visitantes e por esse motivo não nos é possível reunir directamente com os nossos colaboradores e parceiros na região. Contudo, estamos comprometidos a manter-nos em contacto, vendo onde o nosso apoio e solidariedade é necessária.

3. Descentralização

Precisamos de tornar-nos mais independentes de um sistema globalizado em colapso. Fortalecendo as nossas redes regionais e apostando no abastecimento de alimentos, água e energia de forma regional e descentralizada. Apoiando agricultores e produtores da nossa região. Cultivando os nossos próprios alimentos — sempre em cooperação com a natureza. Partilhando excedentes com quem precisa. Armazenando sementes. Conhecendo e cuidando das fontes de água. Captando água da chuva em estruturas locais de retenção de água e fazendo uma gestão sábia dos recursos hídricos. Fortalecendo a produção descentralizada de energia através de energia solar e eólica, utilizando fornos solares e biogás na confecção de alimentos.

Descentralizar inclui também assumir responsabilidade pelas áreas da saúde, educação e comunicação: precisamos também de gerar independência relativamente aos fornecedores globais, de forma a estabelecer colaborações regionais nestas áreas.

4. Visão

A força do sistema capitalista dominante baseia-se parcialmente na incapacidade das pessoas imaginarem alternativas funcionais. Buckminster Fuller disse, “O mundo é hoje demasiado perigoso para qualquer coisa inferior a uma utopia.” Para quem vive com acesso a espaços exteriores, o momento que vivemos é uma oportunidade especial para redescobrir o contacto com a natureza e com a vida em si. Nesta altura em que a normalidade é interrompida, temos a oportunidade para nos questionarmos: Como queremos viver? Que mundo poderá surgir quando nos ligarmos em solidariedade e contacto com a natureza e outros seres humanos? Como criar estruturas funcionais de tomada de decisão e de abastecimento de alimentos, água e energia? Como recuperar a força que perdemos para pensar, amar e entre-ajudar? Reservemos este tempo para nos ligarmos com estas visões, pois elas são muito mais que fantasias individuais. Estas correspondem a uma verdadeira possibilidade, que se alinha com uma direcção evolucionária e inerente à vida.

5. Uma direcção global

Agora que os velhos sistemas estão em falha, desejamos que cada vez mais pessoas ganhem compreensão sobre uma possível direcção comum, para a qual seja possível unir forças: uma mudança fundamental de sistema, rumo a uma cultura de parceria. Acreditamos que este trabalho inclui a criação de comunidades que dissolvem a desconfiança e o trauma histórico entre as pessoas, para que elas se tornem capazes de regressar a um estado de confiança, verdade e pensamento autónomo; regiões que produzem os seus próprios alimentos e energia eléctrica, em cooperação com a natureza; uma compreensão profunda da matriz sagrada e da Terra como ser vivo; a cura do amor e a reconciliação entre os géneros; e a cooperação com forças universais — o mistério indefinível ao qual todos pertencemos. Este trabalho inclui também a superação de estereótipos de inimigos na nossa forma de pensar. Também os vírus não são inimigos, mas partes do corpo de vida que partilhamos, que nos consciencializam de correcções necessárias.

É isto que referimos no Plano dos Biótopos de Cura. Dedicamo-nos agora novamente ao estudo e aprofundamento destas ideias basilares. (De 11 a 31 de Maio, iremos oferecer um curso online sobre este tema.)

Para concluir, gostaríamos de vos inspirar com o excerto de um texto não publicado, “Visão para o Futuro”, escrito por Sabine Lichtenfels em 2008 — relevante ainda nos dias de hoje. Sabine escreve “Já não tínhamos escolha. As pressões externas aumentaram drasticamente e motivaram-nos a despertar a nossa consciência interna e a nossa vontade de mudança. As circunstâncias forçaram-nos a ser impecáveis. Forçaram-nos a descobrir e desenvolver o lugar em nós no qual éramos verdadeiramente inatacáveis. O momento decisivo, que era desde já capaz de abrir portas para um novo futuro, foi o regresso à certeza de que Deus existe. A qualidade luminosa que habitualmente projectávamos na vida depois da morte, encontrava-se de facto presente nos nossos corpos. De súbito despertou em nós uma certeza e uma alegria de viver, que nos motivou a renovar as nossas acções. Sabíamos que se fossemos capazes de viver uma vida na qual compreendemos profundamente como acabar com a guerra, que isso iria fazer emergir uma nova realidade.”

www.tamera.org