TRABALHO DE CURA NUM BIÓTOPO DE CURA
Entrevista, editada em 2017, com a Dr.ª Amelie Weimar, publicada na revista Communities Magazine #145 (Inverno 2009) – Saúde e Bem-estar.
Dr.ª Amelie Weimar recebeu o seu grau de M.D na Freie Universitat Berlin em 1991, e desde 1995 é responsável pelas necessidades médicas de 200 pessoas que vivem na comunidade de Tamera, no sul de Portugal. No início deste ano, foi entrevistada por Stephen Davis.
Stephen: Drª Weimar, a primeira coisa que precisamos saber é… o que é exactamente um “Biótopo de Cura?”
Amelie: Por “Biótopo de Cura”, referimo-nos a uma comunidade de pessoas, animais e plantas que reforçam sinergicamente a energia vital de cada elemento – um lugar onde estas energias já não são restringidas pela violência ou pelo medo.
Stephen: E Tamera é um desses Biótopos de Cura?
Amelie: Não quero dizer que já atingimos completamente esse estatuto, mas estamos a trabalhar de forma consciente para isso, e progredindo nesse sentido. Tamera é, de facto, a última experiência comunitária de uma história de 30 anos de pesquisa sobre a criação de um verdadeiro Biótopo de Cura.
Stephen: O que torna então o trabalho de cura num Biótopo Cura diferente de em qualquer outro lugar?
Amelie: Toda a nossa pesquisa e trabalho são guiados pela pergunta, “Quais os factores que contribuem para a cura?” Isto inclui a cura a todos os níveis – físico, mental, emocional e espiritual – e esta não é, para nós, uma questão meramente individual. Também nos perguntamos: Quais os factores que contribuem para a cura de uma comunidade inteira? Quais as condições para a cura da relação entre os géneros? Entre humanos e natureza? E, indo mais além, ao nível político, o que contribui para a cura entre culturas – por exemplo, entre Israelitas e Palestinos, Alemães e Judeus?
Trabalhamos em diversos níveis de cura, mas diria que o nosso principal trabalho de cura tem que ter lugar aqui (na nossa cabeça) e aqui (no nosso coração) e aqui (no chakra sexual) – ou seja, na nossa atitude para com os outros e para com a vida, nos nossos padrões de pensamento, no nosso sistema de crenças e nas nossas relações humanas.
Stephen: Mas para focarmos mais directamente na questão da cura dos indivíduos…
Amelie: Eu diria que existem alguns factores fundamentais que diferenciam Tamera. Apenas para clarificar, o nosso trabalho de cura é praticamente todo homeopático e não alopático. A homeopatia e outros métodos alternativos que utilizamos são ferramentas importantes que apoiam a cura, e não os quero deixar de parte – mas o nosso interesse principal está direccionado para a história humana por detrás da doença – e estas histórias estão sempre presentes nos bastidores.
Stephen: O que quer dizer com estas “histórias de bastidores?”
Amelie: Refiro-me às energias vitais bloqueadas pelo medo ou pela violência, por exemplo, que criaram no corpo um ambiente propício à manifestação de uma doença. A nossa experiência demonstrou-nos que as doenças são causadas por movimentos interiores ou impulsos que ficam bloqueados no corpo por não terem encontrado um canal de expressão. Estas energias bloqueadas depois causam inflamações. Os culpados não são então as bactérias ou parasitas que se podem encontrar com a inflamação. E é também por isto que a infecção tem também para nós um interesse secundário. Uma infecção aguda pode apenas desenvolver-se quando existe uma determinada condição interna ou propensão do corpo para tal. As doenças crónicas têm também origem em bloqueios crónicos da energia vital.
Infelizmente não é invulgar que numa sociedade como a nossa, muitas dessas energias vitais se encontrem bloqueadas. Basicamente, não fomos ensinados a mostrar-nos como somos, a revelar os nossos desejos ou a confiar uns nos outros. Como resultado da nossa história enquanto indivíduos, mas também como membros da humanidade, estamos cheios de colisões internas – ou, por outras palavras, conflitos interiores – entre, por exemplo, a voz do nosso corpo e os pensamentos na nossa cabeça.
Stephen: Pode explicar isso um pouco mais?
Amelie: Por exemplo, se um homem – um homem de negócios, por exemplo – ouve determinada obra musical, que o poderia fazer desfazer-se em lágrimas por tê-lo comovido tão fortemente. Essa é a voz do seu corpo. Mas é suposto ele ser um adulto sério – então surgem os pensamentos, eu sou forte e com experiência de vida – não devo chorar, não devo mostrar esta parte de mim – pensarão que sou fraco, olhar-me-ão como um frouxo.
Ou digamos que uma mulher vê um homem e o corpo dela lhe diz que adoraria desaparecer por detrás do próximo arbusto e ter um encontro sexual com ele. Mas os seus pensamentos perguntam, “Que diria a minha mãe sobre mim? O que pensariam as outras mulheres? Que pensaria ele? Será melhor fazer-me passar pela mulher tímida e desamparada, com ambições românticas que diz “Não” três vezes até que ele dê o primeiro passo”?
Todos estes medos e pensamentos morais causam em nós uma enorme quantidade de vida por viver. Se ficamos fisicamente doentes ou não é apenas uma questão de grau.
Stephen: Pode dar um exemplo específico de um caso que conheça?
Amelie: Sim, o meu próprio caso… Há vinte anos, quando visitei o primeiro Campo de Verão anual deste projecto, apaixonei-me completamente pelas pessoas, pela vida em comunidade e pela confiança que havia entre as pessoas. Quando tive que partir para continuar com os meus estudos, caí repetidamente num estado de doença até que tive de ir para ao hospital. Apenas quando decidi que tinha que visitar novamente o projecto é que a doença cessou. Eu – enquanto aspirante a médica – apercebi-me que o meu conflito interno estava na origem de toda aquela doença, e não uma bactéria, como tinha aprendido.
Stephen: Obrigado. Disse que existem outros factores principais que são diferentes no vosso trabalho de cura em Tamera. Qual é o seguinte?
Amelie: O segundo é que fora da comunidade, quando as pessoas adoecem, vão ao médico – ou até a um curandeiro alternativo – e recebem tratamento – mas assim que saem, voltam para o mesmo ambiente – para as mesmas estruturas em casa ou no trabalho, ou, francamente, na sua comunidade – que produziu inicialmente a doença. Eles são forçados a fecharem-se novamente. Para uma verdadeira cura, descobrimos que precisamos de criar um ambiente diferente, estruturas diferentes, nos quais a pessoa possa viver o seu dia-a-dia.
Esta é uma das razões pelas quais integrei este projecto há quase vinte anos. Durante os meus estudos de medicina e no meu trabalho em hospitais, observei que nós, médicos, não somos realmente capazes de curar as pessoas. Vi muitos casos em que as pessoas voltavam repetidamente com os mesmos ou novos sintomas. Sabia que – se quisesse realmente trabalhar para a cura – eu tinha que ajudar a criar condições de vida diferentes para as pessoas.
Stephen: De que “condições” está a falar?
Amelie: Descobrimos que a confiança é a força de cura mais forte que podemos criar. Confiança significa poderes mostrar-te como realmente és, o que amas e quem amas – onde não é mais necessário esconder ou disfarçar quem somos, e onde podemos ser nós próprios. Para alcançarmos o nosso verdadeiro eu, temos de atravessar diversas camadas e escudos de protecção que construímos durante as nossas vidas de forma a conseguir sobreviver – camadas de desconfiança, fúria, frustração, desilusão, inveja e descrença. Podemos pensar que é isso que somos, e que a verdade é que estamos cheios de desconfiança, por exemplo. Mas é importante saber que isso não sou eu. Estes são os sedimentos de uma civilização doente que se sobrepõe ao meu verdadeiro ser interior. Se atravessar estas camadas com a ajuda dos outros, com a arte, o Fórum, etc., alcanço então a minha verdadeira identidade, a minha verdade real.
Stephen: Desculpe interromper… o que é o “Fórum”?
Amelie: O Fórum é, talvez, a nossa ferramenta de cura mais poderosa e eficaz. Ele consiste, simplesmente, num círculo de pessoas dedicadas, onde alguém se desloca ao centro para se revelar. Frequentemente, o Fórum toma formas performativas, enquanto a pessoa revela os seus sentimentos mais íntimos, desejos e pensamentos, para os outros testemunharem. Ao fim ao cabo, um dos nossos desejos enquanto ser humano é ser percepcionado pelos outros, como realmente somos, e ser aceite sem julgamentos. O Fórum é também uma oportunidade para nos desidentificarmos dos nossos problemas individuais, olhando para nós próprios enquanto projectos de investigação, tentando resolver as questões da espécie humana como um todo. Ao trabalhar na minha própria cura e na solução que procuro, trabalho simultaneamente para a cura de muitas outras pessoas, pois não se trata apenas da vida não vivida em mim, mas também da de outros milhões de pessoas, que aguarda redenção.
Stephen: E este processo faz crescer a confiança entre a comunidade?
Amelie: A nossa experiência diz-nos que sim. Sabemos que quanto mais conhecemos alguém – quero dizer, conhecer verdadeiramente alguém – mais vamos gostar e confiar nessa pessoa. Ao longo dos anos, na nossa comunidade, experienciámos isto vezes sem conta. Testemunhei pessoalmente que um espaço de confiança, onde alguém subitamente se sente capaz de partilhar o seu conflito interior actual, tem a capacidade de curar imediatamente uma amigdalite, cistite, uma inflamação severa do abdómen, uma dor de dentes insuportável e por aí fora. Muitas vezes é suficiente que a pessoa fale sobre determinadas questões para permitir que os poderes de auto-cura façam o seu trabalho, mesmo que a questão não esteja ainda resolvida. É por esse motivo que eu digo que a confiança é o remédio universal para a cura.
Stephen: Mais uma vez, pode dar-me um caso concreto?
Amelie: Uma mulher na comunidade teve uma amigdalite severa – quase não conseguia engolir ou falar. Num círculo de cura, onde lhe perguntaram onde tinha passado a noite antes da amigdalite começar, ela respondeu, “foi a minha primeira noite com um novo amante,” e a sua face corou. Ela sentia-se obviamente envergonhada e, depois de bastante tempo, admitiu que receava que ele a tivesse achado demasiado gorda quando a viu nua. Após ter falado deste simples medo perante o grupo, bastou uma noite para a amigdalite desaparecer. Para esta mulher, foi um processo de confiar que podia mostrar-se honestamente, mesmo com todos os seus medos. Assim que o fez, as suas energias vitais foram desbloqueadas e a amigdalite deixou de ser necessária.
Stephen: Obrigado. Já abordámos duas razões pelas quais crê que o trabalho de cura em Tamera é diferente. Existe mais alguma?
Amelie: Sim, e talvez a mais importante, mais radical e controversa. Ao longo dos 30 anos de investigação que nos trouxeram tão longe enquanto comunidade, descobrimos que existe uma razão principal por trás de todas as outras e que é, por isso, responsável pela maioria das energias bloqueadas que provocam doença. Por isso, no nosso trabalho de cura e na nossa vida comunitária, concentramo-nos nela.
Stephen: E essa razão é…
Amelie: A questão do amor e da sexualidade. Talvez não exista, na nossa sociedade, uma outra energia vital tão bloqueada como a do amor e da sexualidade. Historicamente, esta é a área da vida mais ferida, razão pela qual tem de ser colocada no centro do nosso trabalho de cura. A humanidade sofre de uma doença colectiva no amor. As feridas que os seres humanos infligiram uns aos outros nesta área são demasiado profundas. Todos nascemos nesta situação e não a podemos curar individualmente.
Talvez esta seja uma das razões principais que levou à criação deste projecto há trinta anos atrás. O seu fundador, Dieter Duhm, disse inúmeras vezes que não poderia existir paz na Terra enquanto existisse guerra entre homem e mulher.
Stephen: Como trabalham nisso?
Amelie: O que é prioritário é compreender o âmbito e a dimensão histórica desta questão, para sabermos que as minhas questões pessoais e os meus problemas nesta área também não são privados. Estudamos história, incluindo culturas antigas onde o amor e a sexualidade se encontravam ainda integrados positivamente na vida comunitária. Num nível prático, utilizamos o Fórum – temos cursos específicos de cura e de arte – a arte é um meio muito importante em Tamera – e estamos prestes a abrir uma escola para a cura no amor. Aí, o treino espiritual será um elemento importante. Sem treino espiritual e teórico, a intensidade desta questão arrasar-nos-ia assim que abordássemos o trauma que lhe está associado. Apercebemo-nos que a energia da sexualidade só por si requer estudo e treino, de forma a conseguirmos lidar com ela.
Stephen: Pode dar-nos outro exemplo?
Amelie: Há alguns anos eu tive uma intensa dor abdominal no lado direito, que não cessava, durante dias. Pensava ter uma apendicite e precisar de uma operação. Mas antes de ir para o hospital, queria tentar todas as outras opções, por isso rastejei até ao Fórum. Revelei que estava apaixonada por dois homens e que não fazia ideia de como poderia amar ambos inteiramente, sem perder um deles. Mais tarde, num pequeno círculo de cura, Dieter Duhm guiou-me numa meditação, focando-me na imagem de me afundar cada vez mais profundamente na água. Quando me encontrava a 80 metros de profundidade, senti-me tão calma que vi não existir qualquer conflito real, e como eu podia viver plenamente o meu amor com os dois homens. No dia seguinte, a minha “apendicite” desapareceu.
Stephen: Curam todas as doenças desta maneira?
Amelie: Testemunhei várias vezes a rapidez dos processos de cura, por vezes até para minha surpresa. Por vezes, noutros casos, a doença não responde durante algum tempo, apesar de todas as nossas tentativas – os Fóruns, o trabalho de cura. Mas também isto faz parte da pesquisa que realizamos. Estou convencida de que, por vezes, uma doença tem que permanecer connosco durante algum tempo, de forma a permitir que a nossa alma ou mente complete o processo de cura, e para que não regressemos demasiado depressa aos velhos padrões de vida e trabalho, assim que o corpo recupera. Neste sentido, as doenças são por vezes grandes dádivas, um ponto de activação importante no nosso desenvolvimento, assim que as aceitamos e compreendemos dessa forma.
De facto, por vezes, na nossa clínica, não prescrevo quaisquer remédios aos pacientes, mas peço-lhes que encontrem as suas preces e intenções para os próximos passos – no amor, sexualidade, comunidade, profissão – dependendo do tema que vislumbramos por detrás da doença.
Stephen: Nem sempre é fácil quando sentimos dor, ver o nosso sofrimento como uma “dádiva”…
Amelie: Tens razão. Mesmo que até saibamos que a doença é provocada por colisões internas ou conflitos que querem ser resolvidos, temos a tendência para pensar, “Oh, fiz alguma coisa de errado. Agora sou castigado com uma doença pelo meu erro.” Sejamos ou não religiosos, estamos ainda tão influenciados por uma mentalidade de pecado e castigo, que este pensamento é frequentemente mais rápido que todo o nosso novo conhecimento. Mas a doença está lá para nos conduzir à cura e para nos mostrar o caminho para uma solução. Os sintomas que o nosso corpo produz podem, muitas vezes, ser uma tentativa do corpo nos ajudar a resolver o conflito. Designamos os sintomas de “doença” – vendo-os como algo negativo – mas na realidade estes são sintomas de cura que o corpo nos envia para nos ajudar a crescer. Dado que os medicamentos alopáticos convencionais tentam, na sua maioria, eliminar os sintomas o mais depressa possível, a maioria das pessoas nunca se confronta com a experiência da doença ser de facto um processo de cura, que teria contribuído para o seu desenvolvimento pessoal.
Stephen Davis é autor e Assistente de Médico com treino em Quiroprática.