DEFENDER O SAGRADO: UM PODER MAIS FORTE QUE TODA A VIOLÊNCIA
Dieter Duhm, Abril de 2017
Caros amigos,
A luta por Standing Rock terminou, pelo menos por agora. Com a ajuda de Donald Trump e dos bancos, a indústria petrolífera conseguiu impôr a sua agenda. A construção do oleoduto foi terminada. As nossas orações estão com as poucas pessoas que ainda lá se encontram, mantendo-se firmes. No ano passado, milhares de pessoas de cada cultura e do mundo inteiro viajaram grandes distâncias para se juntar naquele lugar. Vieram apesar das temperaturas negativas, para participar na resistência. Agora, quase todas partiram. Terá sido tudo isto apenas mais uma fase passageira, um breve episódio na guerra centenária das forças imperialistas contra a vida?
O que aconteceria se todos estes diferentes grupos e tribos, vindos de cada continente, tivessem um objectivo partilhado para a sua colaboração futura: de forma a criar concretamente um mundo livre e pós-capitalista? A única forma de ultrapassar perpetuamente as estruturas existentes é manter presente uma visão profunda e uma convicção para o que virá depois. Mas o que será essa visão? O que virá depois?
Teremos uma estratégia para superar permanentemente a violência no mundo actual — para superar o poder dos bancos, da indústria petrolífera, da indústria farmacêutica, da indústria do armamento, e dos seus servos no governo? Tal estratégia, se a encontrarmos, ofereceria protecção a todos os Standing Rock do mundo, agora e no futuro. Tornou-se claro desde há algum tempo que as questões levantadas em Standing Rock são questões globais. Haverá alguma força capaz de possibilitar que a vida — uma vida vivida em amor e confiança — supere o poder das armas? Esta é a questão revolucionária e ética dos nossos tempos. E a nossa resposta é: sim, essa força existe.
Na sombra da catástrofe actual, as forças de renovação global e da criação de uma sociedade planetária não-violenta ganham forma. Temos a possibilidade de a tornar realidade num futuro próximo. Ao ouvir uma afirmação deste género, a reacção interna é frequentemente, “não acredito”. Contudo, essa é uma conclusão precipitada. Quem teria acreditado em carros auto-guiados há apenas trinta anos atrás? O ser humano é capaz de manifestar tudo aquilo em que acredita e que consegue conceber. Isto aplica-se a todas as áreas da vida, dos desportos radicais à investigação e tecnologia, até à possibilidade de aniquilação global. Por que não aplicar esta força à cura e à paz global?
No mundo inteiro, existe um sofrimento que nos impulsiona a elevar os standards do trabalho de paz. Os acontecimentos inconcebíveis em Aleppo e Mosul, na Somália e no Sul do Sudão — nos países natal dos refugiados — e também a desintegração dos casamentos na nossa cultura, a pornografia infantil e a violência sexual; tudo isto exige-nos uma visão mais profunda sobre as fundações nocivas da civilização actual, sobre a natureza do ser humano e sobre as possibilidades de cura global.
Vivemos simultaneamente em duas realidades: na realidade da guerra global, e noutro sistema mais elevado de realidade, ao qual chamamos “matriz sagrada”. “Defender o Sagrado” foi e é o lema do povo Sioux nas Dakotas. Ele é o nosso lema também. Toda a vida na Terra, paisagens e águas, plantas e animais, seres humanos e povos, estão ligados uns com os outros na ordem mais elevada da matriz sagrada. Esta matriz contém as forças sagradas e de cura da vida. Transformação é o que chamamos à transição de uma realidade para a outra. Estamos no início de uma mudança planetária de sistema. A nova cultura de uma sociedade pós-capitalista desenvolve-se sobre os fundamentos da matriz sagrada. Este será também o fundamento para novas comunidades no mundo inteiro. Iniciámos o projecto dos Biótopos de Cura de forma a tornar possível que diversos grupos deste cariz se possam interligar globalmente nesta base.
O Que É a Matriz Sagrada?
Existe um vídeo que circula na internet, “The Man who Swims With Crocodiles” (O Homem que Nada com Crocodilos). Ele demonstra o amor entre um homem e um crocodilo. Os dois estão ligados por uma intimidade tão terna que é até difícil de imaginar entre seres humanos. O homem beija o crocodilo adulto no focinho. Observa-se uma cena tão do outro mundo, na qual mal podemos acreditar até o vermos com os nossos próprios olhos. Mas esta história não é do outro mundo. É real e existe aqui na Terra. Ela mostra-nos apenas algo que contradiz todas as crenças e projecções de medo que nos foram transmitidas.
Esta história não é única. A investigação com animais revelou inúmeros outros exemplos. Parte do plano de construção da criação é a aliança sagrada entre toda a vida, algo que contém também o amor profundo entre seres humanos e animais. Passámos por diversas experiências semelhantes aqui em Tamera. O Simon, com 9 anos de idade, encontra-se com um javali e as suas crias durante a noite, e não sente medo. Ele estende a mão para acariciar o javali (a cena é captada por sorte). Quando um dos seus colegas de turma lhe pergunta no dia seguinte por que motivo não tinha sentido medo, ele responde, “os javalis são como nós”. A isto, o jovem colega responde, “eu quero cuidar do javali em Tamera como tu.” Noutro exemplo, Aaron, com 6 anos de idade, tropeça sobre um terrier preso a uma trela, que o mordeu imediatamente. Aaroon soltou um grito momentâneo, e depois disse “O cão não é mão. Ele apenas ficou em choque, tal como eu.” Estas experiências descrevem um possível mundo de contacto com animais que nos abre uma nova porta.
Todos estes eventos reais revelam a existência (latente) de uma outra realidade, na qual não existe medo nem hostilidade. Eles mostram-nos o que a vida em si consegue fazer quando o medo e a violência não interferem. Trata-se do mundo da matriz sagrada, que existe como possibilidade real e espera que nós a activemos. O mundo da matriz sagrada é o padrão fundamental e entelequial da vida, e o seu objectivo é uma nova civilização planetária. Este mundo poderia ser um caso amoroso. O amor é o bem cultural mais valioso da humanidade — ele é o aspecto sagrado da existência. Ele é a nossa fundação genética, inscrita no núcleo das nossas células. Ele é a informação central à totalidade da vida, toda ela caminhando rumo à unidade. O padre Jesuíta e paleontólogo Teilhard de Chardin escreveu, “Através da força do amor, os fragmentos do mundo procuram uns pelos outros, para que o mundo encontre a perfeição.”
Talvez não seja possível realizar este mundo de imediato. Contudo, podemos reconhecer as precondições através do qual ele pode surgir automaticamente. No caso do crocodilo, a história tem um início simples: o homem encontrou um pequeno crocodilo nas margens do rio. Durante dois anos, alimentou-o até que ele recuperasse a sua saúde. Ele disse “O crocodilo não precisa apenas de alimento — ele precisa também do meu amor.” Assim que a sua saúde regressou, o homem tentou libertá-lo no rio selvagem, mas o crocodilo nadava imediatamente de volta ao seu encontro. A partir daí, ficaram amigos inseparáveis. Conseguiremos imaginar que é possível surgirem novas comunidades na Terra, onde pessoas e animais, crianças e pais, crescem neste tipo de amizade? Comunidades onde não exista medo ou hostilidade, quer entre seres humanos, como entre seres humanos e os demais seres vivos? Conseguiremos imaginar um mundo no qual o conceito de inimigo tenha caído em obsolescência? Seremos capazes de reconhecer e de criar as condições necessárias ao nível ético, social, ecológico e espiritual a partir do qual este mundo pode realmente emergir? Não será óbvio que temos de dar início a esta tentativa?
Nasce actualmente uma rede global dedicada a fazer destes pensamentos realidade. Chamamos-lhe Terra Nova. Estes pensamentos não estão vinculados a um grupo em particular, mas pertencem à informação global da matriz sagrada.
A informação é uma das matérias primas mais básicas do mundo. Tudo é guiado por informação. O alcance desta verdade é demonstrado pelo estranho sucesso das empresas digitais de Silicon Valley. Esta parece uma viagem sem limites. O mesmo se aplica às nossas vidas quando permitimos que elas sejam guiadas pela matriz sagrada. Também aqui se encontra uma viagem sem limites — mas noutra direcção. O facto de termos guerra ou paz na Terra, de estarmos doentes ou sãos, de experienciarmos ciúme ou solidariedade nas nossas relações, depende da informação fundamental que conduz as nossas vidas. Uma civilização geradora de guerra durante milhares de anos, transporta profundamente na sua memória celular a informação de guerra e desconfiança. Tal civilização responderá à informação da matriz sagrada com mecanismos de defesa, cinismo e violência. Mas estes mecanismos de defesa conduzem-nos à auto-destruição da humanidade. Nem mesmo as indústrias de alta-tecnologia podem perdurar, se continuarem a trabalhar da mesma forma, sem reavaliar os seus princípios éticos básicos. No sistema que nos conduziu a milhares de anos de guerra, a informação dominante provém dos traumas no inconsciente colectivo da humanidade e na vida privada de cada indivíduo, incluindo nos profundos aspectos ocultos das nossas relações amorosas. Também nas nossas vidas privadas, tudo depende do lado que escolhemos e da informação que seguimos. O sistema de violência obtém a sua força a partir do substrato colectivo do medo. Temos de o reconhecer e dissolver.
As nossas almas mais elevadas podem fazer qualquer feito, quando a nossa vontade superior está presente. O que decide se uma relação amorosa duradoura surge ou não, é a informação que permitimos que entre em nós e guie os nossos computadores de bordo. O mesmo aplica-se ao organismo colectivo da humanidade como um todo — o caminho que a humanidade irá tomar, dependerá da informação que inserimos no seu corpo informacional. A história de amor entre o homem e o crocodilo revela algo que é relevante para o planeta — algo muito profundo. Contida na visão da matriz sagrada, encontra-se a possibilidade de salvação, à qual temos inicialmente de nos habituar. É algo tão do outro mundo e no entanto tão real, tal como o amor entre o ser humano e o crocodilo. E ainda assim, pressentimos profundamente uma grande verdade — que a possibilidade de um caso amoroso planetário existe de facto. Sentimos que esse mundo poderia realmente existir e que nós o poderíamos manifestar, se concordarmos em fazê-lo. Se este empreendimento for bem sucedido num único lugar, ele poderá também ter sucesso em diversos lugares. A aliança sagrada da vida inclui todos os seres — todos estão ligados a este padrão basilar, todos transportam esta visão nas suas almas, como uma memória ancestral. Trata-se de algo que faz parte do programa entelequial da humanidade. Quando um grupo de pessoas constrói uma nova estrutura para a vida, baseada na matriz sagrada, isto activará uma visão de vida que se encontra latente em todos os seres vivos. Assim que esta visão for colocada em prática na vida real, será possível recebê-la em toda a parte, pois a consciência colectiva da humanidade entra num “estado de excitação”. Em toda a parte, existem sensores que gravam a imagem — em toda a parte, existem forças que a irão manifestar. Isto porque a visão será compreendida e amada, ao nível celular, em toda a parte. Este é o segredo do funcionamento da cura: cura através do contacto com a força de cura da vida. Uma criança doente pode curar-se, mediante a simples presença de um cachorrinho deitado ao seu lado.
Observamos uma lógica de funcionamento completamente diferente, onde quer que a confiança, amor e cuidado — ao invés da hostilidade e do medo — reinam entre seres humanos e os demais seres vivos. Este é um conceito de vida completamente diferente — um conceito diferente do amor, da sua cura e daquilo que o amor pode fazer. Na verdade, este é o conceito da matriz sagrada. Este conceito é a base para o paraíso, uma nova Terra. Esta é a utopia concreta de uma raça humana que abandonou finalmente os velhos campos de hostilidade e violência. Temos de questionar repetidamente os factos e testar esta realidade, até reconhecermos que esta utopia não é um sonho nem uma ilusão. Pelo contrário, ela é uma mensagem sobre uma cultura global diferente, escrita no genoma de cada ser vivo.
Falamos aqui de uma mudança planetária de sistema — em cada comunidade e em cada indivíduo. Fica para trás o “O que recebo eu?” e surge um “Como posso ajudar?”. Uma mudança de uma atitude egocêntrica para uma atitude participativa. Trata-se de uma mudança a diferentes níveis — do holograma do medo para o holograma do amor. Neste contexto, o tema do Eros é central, pois é aqui que a ferida traumática é mais profunda. Os temas do sexo, amor, parceria e comunidade ganham um novo significado quando ligados de novo com o sagrado. O trabalho de construção de confiança em comunidade, amor e sexualidade, devem ser libertos de todo o velho degredo, hipocrisia e mentira. Numa cultura erótica sem medo e mentira, o patriarcado entra em colapso. Uma nova cultura ganha raízes numa nova relação entre os géneros. Também o Eros — inclusivé nos seus aspectos animalistas — faz parte do sagrado. A deusa revela-se também no chafurdar de um porco.
O que é sagrado? Um mundo onde as pessoas praticam a solidariedade e cuidam umas das outras, até em tempos de necessidade: isto faz parte do sagrado. Um mundo onde as crianças podem confiar plenamente nos seus pais e em todos os adultos: isto faz parte do sagrado. Um mundo onde o interesse sexual de uma pessoa relativamente a outra, não gera medo, ciúme ou ódio numa terceira: isto faz parte do sagrado. Um mundo onde os animais se aproximam do ser humano, porque lhes damos as boas-vindas e porque já não existe razão para nos temerem: isto faz parte do sagrado. Um mundo no qual vemos e cuidamos da terra e da água como organismos vivos: isto faz parte do sagrado. Quando um salvador estende a mão para um refugiado que se afoga, isso faz parte do sagrado. E quando as pessoas rezam por alguém num estado de doença terminal e essa pessoa recupera de novo a sua saúde, o sagrado alcançou mais um dos seus inúmeros milagres. Não temos necessariamente de o chamar de “Deus”, pois o sagrado não precisa de nome. Ele é o poder interior que nos une a todos, e que nos liga eternamente com todos os seres.
Quando compreendemos isso, enfrentamos um imperativo absoluto: transitar do outro sistema de realidade, para aquilo que chamamos de matriz sagrada. Esta mudança é o objectivo do Projecto global dos Biótopos de Cura, no qual temos trabalhado desde há tanto tempo em Tamera. Biótopos de Cura são comunidades de seres humanos e natureza, nos quais todos os participantes — incluindo os animais — estão ligados na base da confiança. Cada comunidade rural e muitas das vizinhanças urbanas poderiam transformar-se em Biótopos de Cura. A comunidade planetária do futuro irá desenvolver-se a partir de uma rede de comunidades autónomas, construidas na base da matriz sagrada. Poderia esta ser a solução?
Encontramos-nos hoje num ponto de viragem na história. A parte desperta da humanidade sabe que não teremos um futuro digno de ser vivido, nem uma comunidade contínua, nem libertação planetária, se não nos ligarmos com esta ordem mais elevada. Este é um início lento, com grupos individuais e redes globais em desenvolvimento, mas o processo acelera à medida que mais pessoas reconhecem e efectuam este processo. A partir de um certo ponto, que ainda não podemos definir, o ritmo será veloz. Então, o processo poderá repetir-se milhares de vezes até que todas as pessoas estejam ligadas com este enorme poder de transformação, através da sua própria natureza mais elevada. Nesse futuro, já não se abatem sessenta milhões de suínos por ano na Alemanha, e Israel-Palestina poderia realmente transformar-se na Terra Santa do dia para a noite. O milagre da libertação deixará de ser um sonho, mas constituirá uma onda morfogenética que se espalha por toda a Terra.
Em nome do amor por todas as criaturas,
Dieter Duhm
Tamera, Abril de 2017